1 – Os judeus foram (e ainda são) um
povo de excepção. Se o não fossem, já nem existiriam como povo, tantas e tais
foram as vicissitudes que vieram sofrendo ao longo da sua longa história de
quatro milénios. Para começar, um território em que viva costuma ser elemento
primordial para a constituição e conservação de um povo, de uma nação. Mas não
foi esse o caso do povo judaico, pelo menos em grande parte da sua história.
Foram, sim, a errância e o deserto que lhe deram rija têmpera para resistir mesmo
sem território, e foi a religião que uniu o povo com coesão e sentido. E a
errância e o deserto, a par com a religião, deram-lhe a sabedoria.
De facto, foi sempre um povo
inteligente, empreendedor, ambicioso, solidário entre si e coeso até ao ponto
de não admitir facilmente a miscigenação. Por outro lado, temperado na árida dureza
do deserto e aí outras vozes ouvindo, ele andou à procura de uma “terra
prometida”, ou também dela fugindo sempre em errância, perseguido e vítima de horrores
quase até à extinção. Todos os povos cometem malfeitorias uns contra os outros,
e o povo judaico, a praticá-las, não é nenhuma excepção. Não obstante, nunca é
possível justificar um genocídio, como aquele que sofreu. Podemos explicá-lo,
mas nunca justificá-lo.
Quanto à sua religião, uma religião
de Deus único – um só Deus para o seu povo e um só povo para o seu Deus –, ela
constituiu de facto uma das grandes forças aglutinadoras do povo, se não a
maior, povo único, povo de excepção e excelência, povo eleito de Deus.
2 – Na verdade, desde muito cedo, na
sua história, os judeus se consideraram o povo eleito de Deus. Mas foi
realmente Deus que o escolheu para ser o seu povo, ou foi o povo judaico, por
intermédio dos seus chefes, que escolheu esse Deus para que, por sua vez, Ele o
escolhesse como seu povo eleito, de entre todos os povos do mundo? É que são
duas coisas bem diversas! Enquanto na primeira temos um Deus e uma eleição
reais, na segunda estes dois elementos não serão reais e objectivos, mas
simplesmente uma visualização criativa operada por esse povo.
Isto dá-nos ensejo de revisitarmos o
argumento ontológico, tão antigo quanto frequentado, a favor da existência de
Deus. É também um argumento denominado a
priori, isto é, gerado e construído só na nossa cabecinha, sem nada fazer
apelo à nossa experiência no (e do) mundo exterior em que vivemos. Pode
resumir-se, tal argumento, assim: Eu
penso em Deus como um ser necessariamente bom e sábio e poderoso, dotado enfim
de todos os bons atributos, todos eles em máximo grau. E se tem assim todos os
bons predicados, também tem de ter a existência.
É muito fácil notar a fragilidade
deste argumento. Com a minha razão eu posso, eu até devo pensar que, a existir,
Deus tem todos os bons predicados em grau sumo, mas, a todos eles, por
enquanto, dentro do argumento, eu não posso adicionar-lhe a existência porque
esta é objectiva, porque ela está fora e não depende da minha subjectividade, e
por isso também fora do argumento. A existência de Deus tem de ser real – ela
funda o Ser na realidade – para que reais
também possam ser (e não só pensados) todos os (outros) predicados a si
atribuídos. Pode pensar-se a existência de Deus, mas não é o pensamento que a
torna real, e portanto, se quisermos provar a sua existência, teremos de utilizar
outro(s) argumento(s).
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