quinta-feira, 10 de julho de 2014

225.1-2 - O Povo Eleito de Deus

1 – Os judeus foram (e ainda são) um povo de excepção. Se o não fossem, já nem existiriam como povo, tantas e tais foram as vicissitudes que vieram sofrendo ao longo da sua longa história de quatro milénios. Para começar, um território em que viva costuma ser elemento primordial para a constituição e conservação de um povo, de uma nação. Mas não foi esse o caso do povo judaico, pelo menos em grande parte da sua história. Foram, sim, a errância e o deserto que lhe deram rija têmpera para resistir mesmo sem território, e foi a religião que uniu o povo com coesão e sentido. E a errância e o deserto, a par com a religião, deram-lhe a sabedoria.
De facto, foi sempre um povo inteligente, empreendedor, ambicioso, solidário entre si e coeso até ao ponto de não admitir facilmente a miscigenação. Por outro lado, temperado na árida dureza do deserto e aí outras vozes ouvindo, ele andou à procura de uma “terra prometida”, ou também dela fugindo sempre em errância, perseguido e vítima de horrores quase até à extinção. Todos os povos cometem malfeitorias uns contra os outros, e o povo judaico, a praticá-las, não é nenhuma excepção. Não obstante, nunca é possível justificar um genocídio, como aquele que sofreu. Podemos explicá-lo, mas nunca justificá-lo.
Quanto à sua religião, uma religião de Deus único – um só Deus para o seu povo e um só povo para o seu Deus –, ela constituiu de facto uma das grandes forças aglutinadoras do povo, se não a maior, povo único, povo de excepção e excelência, povo eleito de Deus.

2 – Na verdade, desde muito cedo, na sua história, os judeus se consideraram o povo eleito de Deus. Mas foi realmente Deus que o escolheu para ser o seu povo, ou foi o povo judaico, por intermédio dos seus chefes, que escolheu esse Deus para que, por sua vez, Ele o escolhesse como seu povo eleito, de entre todos os povos do mundo? É que são duas coisas bem diversas! Enquanto na primeira temos um Deus e uma eleição reais, na segunda estes dois elementos não serão reais e objectivos, mas simplesmente uma visualização criativa operada por esse povo.
Isto dá-nos ensejo de revisitarmos o argumento ontológico, tão antigo quanto frequentado, a favor da existência de Deus. É também um argumento denominado a priori, isto é, gerado e construído só na nossa cabecinha, sem nada fazer apelo à nossa experiência no (e do) mundo exterior em que vivemos. Pode resumir-se, tal argumento, assim: Eu penso em Deus como um ser necessariamente bom e sábio e poderoso, dotado enfim de todos os bons atributos, todos eles em máximo grau. E se tem assim todos os bons predicados, também tem de ter a existência.

É muito fácil notar a fragilidade deste argumento. Com a minha razão eu posso, eu até devo pensar que, a existir, Deus tem todos os bons predicados em grau sumo, mas, a todos eles, por enquanto, dentro do argumento, eu não posso adicionar-lhe a existência porque esta é objectiva, porque ela está fora e não depende da minha subjectividade, e por isso também fora do argumento. A existência de Deus tem de ser real – ela funda o Ser na realidade – para que reais também possam ser (e não só pensados) todos os (outros) predicados a si atribuídos. Pode pensar-se a existência de Deus, mas não é o pensamento que a torna real, e portanto, se quisermos provar a sua existência, teremos de utilizar outro(s) argumento(s).

Sem comentários:

Enviar um comentário