1
- Olá, amigas e amigos! Lembram-se daquilo que, depois de um longo e
persistente treino para atingir a iluminação budista, um candidato não foi
capaz de calar, possuído de tanto júbilo, quando atingiu essa mesma iluminação?
Ele disse: “A Mãe está presente em todas as casas. Preciso de dar a notícia
como quando um vaso de barro cai ao chão e se parte” (texto 213).
Na
generalidade dos povos, sobretudo nos mais antigos, existiu a ideia arquetípica
da Grande Mãe. Objectivada simplesmente na Natureza, ou, mais elaboradamente,
encarnada numa deusa, a Grande Mãe era a origem do mundo e da vida, incluindo a
dos seres humanos, para os quais, durante a sua atribulada existência, era
também a sua permanente protectora.
Entre
as sociedades antigas que prestavam culto à Grande Mãe, figura a do reino da
Babilónia, na Mesopotâmia. Segundo Erich Fromm (O Dogma de Cristo), “o mito babilónico da criação começa com a
existência de uma deusa-mãe que governa o Universo. Seu domínio, porém, é
ameaçado pelos seus filhos, que planeiam rebelar-se e derrubá-la”. Para chefiar
essa revolta, eles escolhem um de entre eles, “que possa igualá-la em força
(…), mas, antes da escolha definitiva, exigem que se submeta a uma prova”. E a
prova consistia em que, tendo-lhe eles apresentado um pano, ele o devia, «só
com o poder da sua boca», fazer desaparecer com uma palavra, e com outra
fazê-lo reaparecer. E como tal prova fosse superada com êxito, ele, assumindo a
liderança, derrota a deusa-mãe e cria com palavras o céu e a terra.
Isto
quer dizer que o deus masculino tem a superior qualidade de poder criar, mas
fá-lo, não com o ventre mas com a palavra. Assim, “a produtividade natural é
substituída pela mágica do pensamento e dos processos verbais”.
2
- Ao longo da sua história, os judeus tiveram vários contactos com o reino e a
cultura referidos, sobretudo a partir de 586ac, quando o rei Nabucodonosor
tomou Jerusalém e depois os forçou ao longo cativeiro da Babilónia.
Não
se pense porém que, mesmo assim, os judeus tenham perfilhado o culto à Grande
Mãe à semelhança do povo babilónico, muito embora, em época tardia da sua
história, eles tenham atribuído também características femininas ao seu Deus.
Ainda
segundo Erich Fromm, o que acontece é que “o mito da criação bíblico começa
onde o mito babilónico termina. Quase todos os traços da supremacia da deusa já
estão eliminados. A criação começa com a mágica de Deus, a mágica da criação
pela palavra. Repete-se o tema da criação masculina, e, contrariamente à
realidade, o homem não nasce da mulher, mas a mulher é que é feita do homem. O
mito bíblico é uma ode ao triunfo do homem, negando que as mulheres façam
nascer os homens, assim invertendo as relações naturais”.
3
- Em duas das principais expressões do cristianismo (a católica e a ortodoxa),
unem-se, em Maria e Jesus, os primordiais elementos feminino e masculino.
Embora não sendo propriamente divina, Maria, pela extremosa devoção que o povo
lhe tem, é por ele considerada a Grande Mãe. Por seu lado, Jesus é o novo e
divino Adão, no qual se operou uma nova e espiritual criação. Ela, pelo poder
divino, gerou Jesus no seu ventre, mas ele é que a gerou espiritualmente,
começando por isentá-la da mancha original. Ela é a mãe sempre solícita a
acolher e a proteger os crentes, mas nele é que se radica a salvação. Ela é,
com certeza, a Grande Mãe dos crentes, mas, entre ela e o seu filho, o poder é
bem desigual, pelo menos no que toca a aspectos doutrinários. Mas isso não
admira, pois, não foi só masculino o poder no judaísmo, e não continua a sê-lo
nas referidas confissões cristãs?
Mas,
no caso do Cristianismo, Maria e Jesus também serão mitos? É claro que os dois
são figuras reais, duas amorosas figuras históricas. Mas aquilo que pela fé os
crentes lhes atribuem de salvífico, para os não crentes é mito.