1 – Olá! Pela sua esforçada
tentativa de encontrar um fundamento seguro para toda a sua construção mental,
Descartes (1596-1650) é considerado o pai da filosofia moderna.
No fundo, no fundo mesmo de todo o
seu edifício mental, Descartes pôs a dúvida, a dúvida sobre tudo, mesmo de si
próprio. De facto - digamos entre parênteses - a dúvida deve ser sempre o nosso
básico alimento mental. E então, duvidando sobre tudo, ele se encontrou a
pensar; e pensando, constatou que existia … como ser pensante. E aqui está
a primeira e inconcussa pedra do seu edifício mental.
Por isto, segundo ele, o ser humano
não é corpo. O ser humano é um eu pensante que está num corpo. O corpo não
é um seu constituinte; ele é só sua morada.
2 - Vivo então num corpo, como um
hóspede ou peregrino vive na sua hospedaria. Mas … quem me diz que o meu corpo
não é um fantasma – pensava ainda, duvidando, Descartes –, um fantasma sem
qualquer consistência real? Onde é que eu poderei encontrar fundamento para
poder aceitar que esse corpo é uma realidade, realidade fora de mim mas comigo?
Tal fundamento só pode ser Deus, continuava a pensar, o qual é causa de si
próprio, ou seja, do seu ser que já inclui a sua existência, e também causa de
todo o mundo objectivo e contingente, começando pelo meu corpo.
Estamos assim a ver quanto este
primeiro e esclarecido homem moderno, particularmente quanto ao nosso corpo,
está longe da nossa cultura reinante, que o hiper-valoriza e sujeita a todas as
vagas da moda e o quer obsessiva e eternamente jovem.
3 - Mas então, não será mais simples
e verdadeiro dizer que este subjectivo
eu, de que tenho experiência e que
sou, é a luz espiritual que se acende da lâmpada material do meu corpo, ou a
fina e etérea flor que desabrocha do frágil caule do meu corpo que nasce e se
alimenta da terra?
E quanto
àquela juventude eterna, bem sabemos o que Tabucchi escreve no seu conto intitulado
“Ao seguir a sombra, o tempo envelhece depressa”. Nós somos sombra que
envelhece, somos morte, somos noite eterna. Noite que, mesmo que te refugies
“num pequeno abrigo de luz, tornar-te-ás sua presa porque à tua volta, como um
mar que cercasse o teu farol, está essa intransponível presença” (citado por
Pedro Mexia, Expresso, 25-8-12).
Assim, qual
abrigo de luz ou farol, o eu consciente sabe que o tempo da sua vida
é efémero, tem limites; muito embora não seja o espírito, essa luz ou flor, que
directamente se deixa corroer pelas vicissitudes do tempo, mas sim o corpo,
donde brota essa flor ou luz.
Não obstante, haverá necessidade de sermos assim
tão dramáticos? Ou será que somos assim, só porque este é o meu caso e o de
cada um de nós? Mas não é esta a lei para todos os outros seres do mundo? Quem
sou eu, neste universo imenso, para ser um caso tão especial (ver texto 89. 5)?
Ainda assim, a
nossa vida pode ser uma aventura muito feliz, contanto que percamos a
excessividade egoica que o nosso ambiente cultural nos impinge, e nos
mantenhamos na devida e correcta perspectiva.
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