quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

133 - A Devida e Correcta Perspectiva


1 – Olá! Pela sua esforçada tentativa de encontrar um fundamento seguro para toda a sua construção mental, Descartes (1596-1650) é considerado o pai da filosofia moderna.
No fundo, no fundo mesmo de todo o seu edifício mental, Descartes pôs a dúvida, a dúvida sobre tudo, mesmo de si próprio. De facto - digamos entre parênteses - a dúvida deve ser sempre o nosso básico alimento mental. E então, duvidando sobre tudo, ele se encontrou a pensar; e pensando, constatou que existia … como ser pensante. E aqui está a primeira e inconcussa pedra do seu edifício mental.
Por isto, segundo ele, o ser humano não é corpo. O ser humano é um eu pensante que está num corpo. O corpo não é um seu constituinte; ele é só sua morada.

2 - Vivo então num corpo, como um hóspede ou peregrino vive na sua hospedaria. Mas … quem me diz que o meu corpo não é um fantasma – pensava ainda, duvidando, Descartes –, um fantasma sem qualquer consistência real? Onde é que eu poderei encontrar fundamento para poder aceitar que esse corpo é uma realidade, realidade fora de mim mas comigo? Tal fundamento só pode ser Deus, continuava a pensar, o qual é causa de si próprio, ou seja, do seu ser que já inclui a sua existência, e também causa de todo o mundo objectivo e contingente, começando pelo meu corpo.
Estamos assim a ver quanto este primeiro e esclarecido homem moderno, particularmente quanto ao nosso corpo, está longe da nossa cultura reinante, que o hiper-valoriza e sujeita a todas as vagas da moda e o quer obsessiva e eternamente jovem.
        
3 - Mas então, não será mais simples e verdadeiro dizer que este subjectivo eu, de que tenho experiência e que sou, é a luz espiritual que se acende da lâmpada material do meu corpo, ou a fina e etérea flor que desabrocha do frágil caule do meu corpo que nasce e se alimenta da terra?
         E quanto àquela juventude eterna, bem sabemos o que Tabucchi escreve no seu conto intitulado “Ao seguir a sombra, o tempo envelhece depressa”. Nós somos sombra que envelhece, somos morte, somos noite eterna. Noite que, mesmo que te refugies “num pequeno abrigo de luz, tornar-te-ás sua presa porque à tua volta, como um mar que cercasse o teu farol, está essa intransponível presença” (citado por Pedro Mexia, Expresso, 25-8-12).
         Assim, qual abrigo de luz ou farol, o eu consciente sabe que o tempo da sua vida é efémero, tem limites; muito embora não seja o espírito, essa luz ou flor, que directamente se deixa corroer pelas vicissitudes do tempo, mas sim o corpo, donde brota essa flor ou luz.
 Não obstante, haverá necessidade de sermos assim tão dramáticos? Ou será que somos assim, só porque este é o meu caso e o de cada um de nós? Mas não é esta a lei para todos os outros seres do mundo? Quem sou eu, neste universo imenso, para ser um caso tão especial (ver texto 89. 5)?
         Ainda assim, a nossa vida pode ser uma aventura muito feliz, contanto que percamos a excessividade egoica que o nosso ambiente cultural nos impinge, e nos mantenhamos na devida e correcta perspectiva.

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