sexta-feira, 26 de agosto de 2011

TEXTO 30

Sobre o “outro mundo”

Olá!
Vamos hoje aqui falar … imaginem só! Vamos falar do “outro mundo”! “Do “outro mundo”? “Sim, isso mesmo, falar do “outro mundo”!
Publicámos há dias um texto sobre o mundo (27), mundo que todos conhecemos muito bem, porque os nossos sentidos estão sempre a embater nele, e ele nos sentidos. Mas hoje falaremos do “outro mundo”, mas é só um falar de mero entreabrir da cortina dos seus segredos e prodígios, só por instantes, que depois os amigos e amigas leitores poderão imaginar muito mais.
É do mundo simbólico que falamos - aliás mundo em que já tocámos em texto muito anterior (9) e, evidentemente, no texto 27 - desse mundo que os humanos vão fabricando, levantado em palavras e em ideias( partindo dos códigos linguístico e literário) e em cores (pintura) e em sons (música) e em movimento (dança) e em volumes esculturais e arquitectónicos e mais e mais.

Ouvi há dias, na Antena 2, o segmento final de um poema dito pela autora. Dizia ela assim, se o ouvido e a memória não me traem: “Para o impossível, só podemos caminhar de olhos fechados. / Como a fé e como o amor”.
Há de facto olhos fechados na fé e no amor. Aliás, de algum modo, já há fé no amor, como também, muitas vezes, já existe amor na fé, na fé em alguém, na vida, em Deus. De facto, amor e fé são sempre, definitivamente, um ousado mergulho arracional, e por isso, de algum modo, vai-se para eles de olhos fechados. Mas a fé e o amor serão sempre impossíveis?
Mas há de facto muitas vezes o impossível, de fronte aos nossos olhos, mesmo e até sobremaneira nos domínios da fé e do amor. E em relação a esse impossível, só teremos a hipótese de caminhar para ele de olhos fechados? Não podemos também, simplesmente, não caminhar? São muito acalentadas utopias? São sonhos tentadores, embora sem sabermos se são exequíveis? Mas não são os olhos, olhos abertos para fora e também abertos para dentro, o primordial sentido de que se serve a razão? É certo que a razão se engana muitas vezes, e por isso é bom que a fé e o coração insistam naquilo que, à razão, parece ao princípio ser impossível. Mas quando não há possibilidade de entendimento entre os dois domínios, terá a razão de capitular? Devemos caminhar de olhos fechados? Em suma, para aquilo que a razão continua a ver como redondamente impossível, então, ou não vamos caminhar para lá, ou, se caminharmos, só podemos ir realmente de olhos fechados, pese embora o risco de nunca mais os podermos abrir (14)!
Nós não somos estátuas de mármore, frias e impassíveis, mas também não podemos incendiar e destruir a nossa razão, ao calor das emoções! É um equilíbrio que pede persistência e arte, que não podemos deixar de intentar, sob pena de deixarmos de ser humanos.

“Mestre, eu gostava muito de ser justo, de ser honrado, sobretudo de não ser considerado uma pessoa imbecil”, diz alguém ao mestre. Mas Sócrates responde, só perguntando: “Mas o que é isso de se ser “mestre”? E o que será a “justiça” e a “honra”, que gostavas de possuir, e a “imbecilidade”, que os outros detestam em ti, e tu também”?
Mas porque é que esse chato perguntador do Sócrates - que até numa comédia grega intencionalmente designada “As Nuvens” foi representado no ar, numa gaiola, para assim todos mofarem do seu jeito de ensinar -, porque é que Sócrates ensinava só fazendo perguntas? Terá sido pelo seu jeito de pôr os seus discípulos a pensar sobre o sentido das palavras que usamos para significar as ideias, e a pensar outras ideias a dizer por outras palavras, até palavras novas por ainda não existirem e portanto a terem de ser inventadas pelos já inventores das ideias a serem ditas?

Na praia, crianças levantam papagaios de papel, no ar. Leves, eles adejam ao vento, sempre guiados por umas mãozitas e uma cabecita em terra. Às vezes, eles afocinham no chão de areia ou de duna, por dificuldades encontradas no ar, ou por canhestro manejo das mãos e da cabeça em terra. Não serão assim também as ideias e outras entidades aéreas, que todos nós fabricamos e pomos no ar, esvoaçando ao vento? Que peso ou consistência têm elas, para além dos que nós, humanos, lhes damos, elas e nós saídos do barro, do húmus, do esterco? E no entanto, mesmo assim, agarradas à terra mas pairando no ar, elas são poderosíssimas, tanto para o bem como para o mal. Elas são pombas ou aves de rapina; elas são ninhos de ternura ou de ódio; elas ressumam de verdade e de amor, mas também de ódio e de mentira.

Já no primeiro texto sobre o mundo (27) dissemos que nele havia coisas muito lindas, lindas de morrer (simbolicamente), mas agora acrescentamos que também há coisas muito feias, feias de morrer, morrer mesmo … como é a acção de quem mata. Mas quem mata também morre logo, pelo menos em sentido do nosso mundo simbólico. Dois mundos ao dispor do ser humano – dois, ou um só de duas faces? - onde, se quiséssemos, podia quase só correr “leite e mel”, mas onde, para nosso infortúnio, correm desgraças, não menos que mel e leite.

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