sábado, 12 de fevereiro de 2011

TEXTO 10

Olá!
Nós que temos a responsabilidade por este blog, nós os quatro sabemos que tem havido vários meninos e meninas a visitá-lo, e a olhar e até a ler os textos que aqui vão sendo oferecidos. Mas também sei que há uma menina que, olhando os textos, não sabe bem como lhes há-de pegar!
Falo então agora, de uma forma especial, para essa querida menina. Olhe, minha menina, um texto é como uma malinha: ele guarda lá coisas dentro, mas também é a malinha! Já leu algum texto todo, e percebeu alguma coisa? Ficou com umas ideias vagas, mas não desceu ao pormenor? Se o ler outra vez mais, e outra vez ainda com muita atenção e atendendo a pormenores, não colherá mais ideias? Falámos até aqui de ideias, que são o recheio do texto. Mas um texto não é só ideias ou recheio, pois também é a malinha! Por ele também ser a malinha, é preciso olhar bem para as palavras e frases, para o ritmo e para as eufonias e significantes cacofonias e outros efeitos literários e poéticos, tudo produzido pelas palavras e frases, porque tudo isso nele está de forma intencional! A menina sabia, por exemplo, que os escritores latinos não começavam nem acabavam a frase de qualquer maneira, porque toda ela devia obedecer a determinados ritmos?
Tal como o ser humano, assim também os textos se constituem de alma (que são as ideias) e de corpo ( que é a sua materialidade significante ). Espelhamo-nos nos textos que fazemos e lemos, mas também eles se espelham em nós. Tal como a nossa, também a alma deles paira no ar, é espiritual, mas nem por isso ela anda à solta! Ambas estão presas ao aperto da matéria, que está na terra e é o seu suporte. Tanto os textos como nós devemos ressumar de verdade e de beleza, para que assim eles e nós sejamos bons!
Não alimento veleidades de ser artista escrivão. Longe disso! Mas lá que, quando escrevo, para além de algumas ideias que lanço, também me preocupo um tanto com a forma, ou seja, com as frases e as palavras, isso é verdade! Como também gosto de ver um belo corpo humano, sobretudo se ele florir em alma bela, que é para isso que ele deve servir!
Por tudo isto – e não me esqueço de que estou a falar especialmente com aquela menina -, quando escrevemos ou lemos um texto, devemos pegar nele com cuidado e saber bem o que temos em mãos.
Mas está ali um menino, com quem já conversei várias vezes, que, tal como eu, também gosta de ler ensaios, que são textos escritos mais longos e também mais aprofundados sobre determinado assunto. Quando lemos um ensaio, já temos habitualmente algumas ideias sobre tal assunto, e agora o que com ele queremos é alargá-las e aprofundá-las. Por várias razões, já me aconteceu que, ao começar a ler um determinado ensaio, eu desisti logo ali no primeiro capítulo. Passados porém vários meses, eu pego de novo nesse livro e leio-o todo até ao fim, com subido prazer. E depois disso, já o li de novo mais duas vezes, nele encontrando sempre novas ideias, e portanto sempre também novos prazeres. É claro que quando lemos uma tradução, a obra já perde, pelo menos, alguma da sua beleza formal. Bem se conhece aquele aforismo italiano, segundo o qual, “tradutore, traditore!”, ou seja, “o tradutor é sempre um traidor”! Sempre coisas novas, em cada uma das novas leituras. Tal como quando falamos e convivemos com pessoa de alma nobre, nela encontrando sempre deliciosas surpresas.
Quem conversa sobre texto escrito, também pode conversar sobre texto oral. Quando falamos (muito) alto, e a situação isso não exige, nós estamos de algum modo a consentir que as paixões do corpo nos subam descontroladamente à alma, para além daquelas que nesta podem nascer e nela e no corpo se agigantam, com tudo isso agredindo e conspurcando os ouvidos e a alma dos outros, o ambiente onde vivemos, e mesmo os primordiais vazio e silêncio de onde vimos e onde estamos. E quando a verborreia se junta a estes destemperos, então a nossa boca poderá ser como cloaca a desaguar no ambiente, não só inutilidades como até imundícies. Não há pior diarreia que a diarreia mental, porque aquela – a do corpo – incomoda só um(a), mas esta incomoda muita gente, para além de dever incomodar a sua dona ou dono, porque a alma deles é um árido deserto sem vida. Mas ao contrário, que delicioso é um texto oral a meia voz, todo feito de palavras sábias e contidas, ou também de palavras com segundos sentidos ou até só de meias palavras, tudo ressumando de ironia para fazer rir sem ferir! O verdadeiro texto oral não pode ser feito de barulho. A beleza da alma só nos passa para ele e se transmite, se o som com que é produzido for moderado ou baixinho! E então, nesses sons, assim finamente modulados, nós sentiremos ou ao menos pressentiremos as palpitações da alma!
Mas o texto mais sublime – desta é que os meninos e as meninas não estavam à espera! – o texto, de todos o mais sublime, é o texto do silêncio: um sorriso, o brilho do olhar, as mãos e os dedos...o diálogo dos corpos...diálogo este, o dos corpos, que, para ter pleno sentido, tem de incluir o das almas!...É um diálogo sem palavras, pois que, se as palavras vierem, elas não só são só barulho, como também podem estragar o resto! Talvez até que as palavras, se bem que aos humanos quase sempre necessárias, elas sejam sempre empecilhos para voarmos mais alto! Mas isso ficará para outra ocasião.
Todo o texto humano, meus amigos, qualquer que seja ele, deve sempre consubstanciar-se nesses dois elementos: ter corpo e ter alma. Tal como nós, que somos alma e corpo. E assim como cuidamos de nós, ou devemos cuidar, assim também devemos cuidar dos textos que formos produzindo, e dos que vamos ouvindo ou lendo.

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