2 - Há passos e
pegadas na areia da praia, mas também há passos e pegadas na areia do tempo,
areia esta mais seca e movediça que todas as outras. De onde vêm e para onde vão
as pegadas do espírito da humanidade? Mas ainda que as pegadas do passado não
estivessem um tanto erodidas pelo agreste vento do tempo mas se mantivessem
incontaminadas e nítidas por força da tradição e da tradicional autoridade, por
esta mesma força, porque potenciadora de falácias, tais pegadas nunca podiam
ter para nós a inconcussa consistência de definitivos guias espirituais!
Por outro lado, porém,
do futuro é que nada sabemos! Por isso, sem seguro legado do passado e sem nada
se saber do futuro, só haverá para nós o caminho de irmos tacteando, livremente
na medida do possível, algures entre a fatal necessidade e o fortuito acaso.
Porque o nosso melhor guia somos sempre nós mesmos!
3 - Entrevi há
tempos, na televisão, o epílogo de um drama romântico centrado num casal de
velhinhos, acabados de sair do hospital, aí internados uns dias antes por
motivos de urgência. “Até onde achas que o nosso amor pode levar-nos?”,
pergunta ela. Ao que ele responde: “Acho que o amor pode levar-nos onde
quisermos”! E no entanto … o amor é amor e não razão, a razão fria, que em princípio
nada tem a ver com o mundo do coração, com seus afectos e anseios. O amor
alimenta-se assim, até ao fim, destas tão acarinhadas utopias!
Mas sem dúvida que
o amor pode levar-nos, e muito bem, até ao fim. É mesmo a melhor maneira de
irmos. No caso dos dois velhinhos, vão o coração e a razão de mãos dadas, os
dois dos dois, em estreita e amistosa cumplicidade. Pois, quando a razão está
perante mundos a ela inacessíveis, não será razoável ela entregar-se ao
coração? Nestes casos, razoavelmente, o amor é mesmo a melhor maneira de estarmos
e de irmos.
Nota: Nos números 1 e 2 deste texto,
constam diversas noções devidas a Hannah Arendt, em A Vida do Espírito.
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