domingo, 31 de maio de 2015

301 - Duas Fomes

A fome a que os anafados ricos aspiram,
para terem uma vida mais longa,

matava a dos pobres para viverem com dignidade

quinta-feira, 28 de maio de 2015

300 - Tão somente uma coisa

- A que é preciso darmos atenção
para encontrarmos o caminho da vida?

- Basta darmos atenção à atenção

terça-feira, 26 de maio de 2015

299.2-3

2 - Há passos e pegadas na areia da praia, mas também há passos e pegadas na areia do tempo, areia esta mais seca e movediça que todas as outras. De onde vêm e para onde vão as pegadas do espírito da humanidade? Mas ainda que as pegadas do passado não estivessem um tanto erodidas pelo agreste vento do tempo mas se mantivessem incontaminadas e nítidas por força da tradição e da tradicional autoridade, por esta mesma força, porque potenciadora de falácias, tais pegadas nunca podiam ter para nós a inconcussa consistência de definitivos guias espirituais!
Por outro lado, porém, do futuro é que nada sabemos! Por isso, sem seguro legado do passado e sem nada se saber do futuro, só haverá para nós o caminho de irmos tacteando, livremente na medida do possível, algures entre a fatal necessidade e o fortuito acaso. Porque o nosso melhor guia somos sempre nós mesmos!

3 - Entrevi há tempos, na televisão, o epílogo de um drama romântico centrado num casal de velhinhos, acabados de sair do hospital, aí internados uns dias antes por motivos de urgência. “Até onde achas que o nosso amor pode levar-nos?”, pergunta ela. Ao que ele responde: “Acho que o amor pode levar-nos onde quisermos”! E no entanto … o amor é amor e não razão, a razão fria, que em princípio nada tem a ver com o mundo do coração, com seus afectos e anseios. O amor alimenta-se assim, até ao fim, destas tão acarinhadas utopias!
Mas sem dúvida que o amor pode levar-nos, e muito bem, até ao fim. É mesmo a melhor maneira de irmos. No caso dos dois velhinhos, vão o coração e a razão de mãos dadas, os dois dos dois, em estreita e amistosa cumplicidade. Pois, quando a razão está perante mundos a ela inacessíveis, não será razoável ela entregar-se ao coração? Nestes casos, razoavelmente, o amor é mesmo a melhor maneira de estarmos e de irmos.


Nota: Nos números 1 e 2 deste texto, constam diversas noções devidas a Hannah Arendt, em A Vida do Espírito.

domingo, 24 de maio de 2015

299.1 (de 3) - Passos e Pegadas

1- Olá! Está hoje um belo dia para caminhar na praia: o céu está limpo; o sol, nada agreste, espelha-se nas águas; o mar chão marulha quase até aos pés; e estes, soltos, ora poisam na fresca areia quando dura, ora têm de se afundar nela quando seca e branda. Por isso é que, neste segundo caso, se eu quiser imprimir aos pés um andamento mais rápido e decidido, é bom que suba mais um tanto na areia e aproveite as pegadas de outros pés já nela impressas, assim poupando esforços.
         Há a areia da praia, mas há também a areia do tempo, mais seca esta e movediça que todas as outras areias. Por isso, será útil imaginar e porventura experienciar algumas das pegadas que em muitos domínios a humanidade foi imprimindo na areia do tempo, sobretudo aquelas que se prendem com a sua libertação da fatal necessidade, na medida do possível.
         Ficam então aqui alguns passos e pegadas que a humanidade foi dando e esculpindo na areia do tempo, no processo dessa libertação:
         Houve primeiro, por um lado, a experiência do “homem em sociedade”, do “homem em cidade”, ou seja, o “homem cidadão” ou “homem livre”, mas também a experiência do “homem escravo”. Como se sentiria um escravo em relação a um cidadão, e este em relação àquele?
Aconteceu depois e ainda acontece na humanidade, a experiência do “corpo solto”, mas com a “mente escrava”: escrava dos costumes sociais, das superstições, das ideologias, das instituições e até da autoridade de mestres. Um caso paradigmático deste passo – mente escrava de costumes sociais mas a querer libertar-se deles – foi o caso de Beethoven (1770-1827) que, sob a apertada dependência de um príncipe a fornecer-lhe as sopas a troco de lhe abrilhantar os serões do seu nobremente frequentado palácio, se libertou violentamente dessa situação, rematando-lhe por fim: “Príncipe, o que vós sois, sois por acaso de nascimento, mas o que eu sou devo-o a mim próprio. Príncipes, pode haver aos milhares, mas Beethoven há só um”. Se este artista vivesse a vida toda nessa dependência, ter-se-ia o seu génio libertado, a ponto de criar tão belas sinfonias como criou?
Veio a seguir a experiência do “corpo preso”, mas com a “mente livre”. Corpo preso em masmorras ou cadeias, porventura até à espera da morte, como ainda sucede a muitos e aconteceu por exemplo a Boécio (480-524 pC), que, em estado de inocência e antes de ser executado, escreveu na masmorra a sua Consolação da Filosofia.
Vieram também o “corpo e a mente soltos”, nessa libertinagem mental que redunda em escravidão para a mente e para o corpo. Lembram-se do nosso António Variações a cantar que “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”, não lembram?

Veio finalmente o passo do “corpo solto e habituado”, e com a “mente livre”. De facto, é quando o corpo está bem calhado em hábitos sadios, que o espírito se pode soltar em liberdade, dando largas à sua criativa actividade! O corpo não é para ser livre nem escravo, mas para ser habituado àquilo que o espírito, sentindo-o sempre atentamente, achar bom para ele. O espírito é que é feito para ser livre, e nunca de qualquer forma escravizado.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

298 - O Arco de um Abraço

Quanto mais caro é um produto, mais valioso?
Então … e esta benigna brisa no meu rosto

e o arco do abraço de uma criança?

297 - Um Órgão Precioso

Qual é, no nosso corpo, o órgão mais precioso:
os ouvidos, o coração, os olhos …?

Ou será o ombro, para amparar quem precisa?

quinta-feira, 14 de maio de 2015

296 - O Líquido Olor das Tílias

Corre agora, pela cidade plana,
O aéreo e líquido olor das tílias:
Quem pode, nesta vida turbulenta, senti-lo?


Cantanhede, 13 de Maio de 2015

domingo, 10 de maio de 2015

295 - Haja Saúde

Podem os remédios curar as doenças do corpo
e também aliviar as feridas da alma:

mas, da alma, só o amor é a saúde

quinta-feira, 7 de maio de 2015

294 - Toada em Tom Menor

Andamos, muitos, perdidos no mar, náufragos,
ou de pés não assentes na terra, mas bem no ar:

Ai cedros ai pinos, profundos no chão, sublimes no céu!

domingo, 3 de maio de 2015

293 - O Milagre da Vida

As árvores vestem-se de folhas e de flores, e depois,
de frutos. São elas que sabem como fazer,

ou só nós lhe pomos essa intenção?