IX - Conclusão
1 - Para que possam existir as religiões monoteístas (e não
só), é preciso elas criarem antes de mais uma visão sombria da vida humana,
feita de culpas, sofrimento e morte. Elas têm de carregar quanto podem nas
tintas negras desse afundamento natural, para que depois possa avultar a
salvação sobrenatural que intentam prometer.
Assim, elas ensinam que, antes de mais, o que está no início da
humanidade é um pecado - um pecado original que por isso se estende a toda a
humanidade -, e que é esse pecado que leva a todo o sofrimento e à morte (Gen 2).
Em contrapartida, ensinam depois que, para nos libertarmos de todos esses
males, precisamos de ter fé no Deus da luz que nos perdoa todo o pecado e salva
do sofrimento e da morte, ainda que por eles tenhamos de passar (1Cor 15, 20-22).
É claro que, de ofensas sofrimentos e morte, todos nós temos em demasia e para
todos nós eles são incontestáveis. Quanto à fé, porém, a fé divina pedida pelas
religiões, nem todos os humanos a têm porque não acreditam.
2 - Todos nós, porém, podemos sempre encantar-nos com a vida,
fazendo com que ela em abundância se possa cumprir em todos, pela justiça,
sobretudo pelo estar ao serviço dos outros, que é o amor. Mas também essa fé
pode ser importante para todos, não pela fé em si mesma - que para muitos não
há fundadas razões para a ter -, mas por virtude de todo um mundo simbólico que
foi crescendo à sua volta, ou mesmo construído para a encarnar e servir.
3 - Assim, há na religião excelentes normas morais para a
vida, mesmo para descrentes; há modelos de educação e instrução, e bem assim
rituais, que podem ainda ter muito boa validade. Mas sobretudo há a arte religiosa,
seja a da música ou da escultura ou da pintura ou dos textos ou da
arquitectura, muitas vezes excelentes meios para elevar o nosso espírito
porventura até ao êxtase, para guiar enfim os nossos passos nesta vida ínvia.
Se não fora esta arte, não podíamos por exemplo extasiar-nos com belas esculturas
ou pinturas ou peças de música, nem contemplarmos os raios de sol entrando à
tardinha pelos vitrais de altas catedrais, iluminando e colorindo o penumbroso
silêncio das naves.
E há também, é claro, a ceia da amizade e do amor, alimentos
necessários para o corpo e para o espírito, convivendo e fraternizando – e
assim celebrando e partilhando a nossa comum humanidade -, como até aqui já
vimos neste blog, sob o texto 95-Uma Ágape Laica.
Sem comentários:
Enviar um comentário