quinta-feira, 2 de outubro de 2014

233.IX - A Propósito de "O Zelota"

IX - Conclusão
1 - Para que possam existir as religiões monoteístas (e não só), é preciso elas criarem antes de mais uma visão sombria da vida humana, feita de culpas, sofrimento e morte. Elas têm de carregar quanto podem nas tintas negras desse afundamento natural, para que depois possa avultar a salvação sobrenatural que intentam prometer.
Assim, elas ensinam que, antes de mais, o que está no início da humanidade é um pecado - um pecado original que por isso se estende a toda a humanidade -, e que é esse pecado que leva a todo o sofrimento e à morte (Gen 2). Em contrapartida, ensinam depois que, para nos libertarmos de todos esses males, precisamos de ter fé no Deus da luz que nos perdoa todo o pecado e salva do sofrimento e da morte, ainda que por eles tenhamos de passar (1Cor 15, 20-22). É claro que, de ofensas sofrimentos e morte, todos nós temos em demasia e para todos nós eles são incontestáveis. Quanto à fé, porém, a fé divina pedida pelas religiões, nem todos os humanos a têm porque não acreditam.

2 - Todos nós, porém, podemos sempre encantar-nos com a vida, fazendo com que ela em abundância se possa cumprir em todos, pela justiça, sobretudo pelo estar ao serviço dos outros, que é o amor. Mas também essa fé pode ser importante para todos, não pela fé em si mesma - que para muitos não há fundadas razões para a ter -, mas por virtude de todo um mundo simbólico que foi crescendo à sua volta, ou mesmo construído para a encarnar e servir.

3 - Assim, há na religião excelentes normas morais para a vida, mesmo para descrentes; há modelos de educação e instrução, e bem assim rituais, que podem ainda ter muito boa validade. Mas sobretudo há a arte religiosa, seja a da música ou da escultura ou da pintura ou dos textos ou da arquitectura, muitas vezes excelentes meios para elevar o nosso espírito porventura até ao êxtase, para guiar enfim os nossos passos nesta vida ínvia. Se não fora esta arte, não podíamos por exemplo extasiar-nos com belas esculturas ou pinturas ou peças de música, nem contemplarmos os raios de sol entrando à tardinha pelos vitrais de altas catedrais, iluminando e colorindo o penumbroso silêncio das naves.
E há também, é claro, a ceia da amizade e do amor, alimentos necessários para o corpo e para o espírito, convivendo e fraternizando – e assim celebrando e partilhando a nossa comum humanidade -, como até aqui já vimos neste blog, sob o texto 95-Uma Ágape Laica.


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