III
Conclusões
1
– Na obra sobre a Essência das Religiões,
de Huston Smith, que temos vindo a seguir e a citar, o autor intenta olhar só
para “as religiões do mundo no seu melhor”. Isto é, em cada uma, ele intenta olhar
só para as suas ideias e valores originais, portanto ainda antes de serem
institucionalizados e também entregues à tradição ou tradições religiosas.
Porque, pensa ainda ele, tais instituições e tradições os passarão a adulterar
crescentemente.
Assim é, de facto,
com todas as religiões. No caso vertente do budismo, e só para dar um exemplo, os
dois referidos factores entram de tal modo em jogo que, durante a sua vida, o Buda
sempre se confessou só homem e até homem ateu, mas depois, por força da
instituição e das tradições respectivas, ele passou a ser nada menos do que um
deus!
2 – Para passar do
conhecimento racional de conceitos e palavras relativo e limitado para o
conhecimento intuitivo da contemplação global e absoluta e tantas vezes
inefável, ou seja, para passar do eu mental individual para o Eu aberto e
universal, o candidato tem de se aplicar em meditação por muitas horas diárias
em vários anos seguidos sobre paradoxos verbais adequados, até que, finalmente,
sem ponta de ansiedade mas com muita alegria, surgirá o click da iluminação do
paradoxo e, com ela, também se dará o salto para a iluminação do candidato. Um
afortunado candidato, também afortunado pela razão de que é raríssimo alguém
conseguir verbalizar aquilo que lhe aconteceu aquando da sua iluminação, conta:
“ Zzt! Entrei. Perdi a fronteira do meu corpo físico. Tinha a minha forma
corpórea, claro, mas senti que estava de pé no centro do cosmos. Vi pessoas a
avançarem na minha direcção, mas eram todas o mesmo homem. Todos eram eu. Nunca
antes tinha visto este mundo. Acreditava eu que tinha sido criado, mas agora
tenho de mudar de opinião: nunca fui criado; eu era o cosmos. Não existem
indivíduos”.
3 – O objectivo do
budismo e do hinduísmo imanentista estão tão próximos um do outro que, no que
toca à identificação e valorização do agora,
eles se equivalem. Para os dois, o agora
é a eternidade, e a eternidade é o agora.
E aqui quase diríamos que, se se soubesse aproveitar a eternidade do agora, bem menos se pensaria noutra.
Nesta eternidade do agora, as palavras cessam, porque não o
sabem explicar. As palavras são o lado de fora dos conceitos, e quando queremos
esvaziar-nos dos conceitos para conhecermos melhor – pela compreensão global ou
iluminação ou insight – também as palavras não nos servem: nem para lá chegar,
directamente, nem para apreender e transmitir e explicar tal conhecimento. Também
o Buda se calava como resposta a impertinentes perguntas dos discípulos, e até pregava
sermões sem palavras, ou só, quando muito, com uma flor na mão.
Cessam os conceitos e
as palavras, posto o que cada um dos praticantes se perde nos seres e na
energia do universo, afinal restando tudo mas de uma forma diversa, pois se
trata de todos os seres e do universo agora consciencializados. E isso, para os
praticantes, é um estado sentido não como transitório mas eterno, um estado de
tal sorte jubiloso que não suporta a incomunicabilidade dessa alegria pura: “A
Mãe está presente em todas as casas. Preciso de dar a notícia como quando um
vaso de barro cai ao chão e se parte”.
Nota: Sobre o budismo, veja
também o texto 16.