1 – Olá, amigas e amigos! Já
dissemos no texto 138, por palavras suas, o que Fernando Pessoa sentiu ao ter
conhecimento e depois ao traduzir a obrinha de Helena Blavatsky – A Voz do Silêncio -, mas não é inútil trazê-las de novo para aqui. Confessou
então ele, depois de traduzir a obra: o seu conteúdo “abalou-me a um ponto que
eu julgaria impossível”.
E isto, não sem razão ou razões!
Porque, se, com a nossa mentalidade de ocidentais que é também a de Pessoa, lançarmos
um primeiro olhar para a cultura oriental, já achamos diferenças em relação a
nós, então, se compararmos as duas culturas naquilo que cada uma tem de
essencial, concluímos que quase um abismo as separa! Porque, enquanto na nossa
cultura ocidental nós vincamos a individualidade e o “eu” mental de cada um, na
cultura tradicional budista do oriente acentua-se e propõe-se o apagamento
desse “eu” psicológico ou mental e a unidade de tudo.
2 – Ora, no
caso de Pessoa, que possui uma vasta produção poética que lhe advém de vários “eus”
– o do ortónimo e o de todos e cada um dos heterónimos – isso, à primeira
vista, poderia parecer indicar-nos que nele se operou um encarniçamento do seu “eu”
mental, ao ponto de criar outros “eus” mentais, cada um sempre diverso de todos
os outros.
Poderia parecer, mas é exactamente
ao contrário. Porque criar e usar outros nomes e “eus” é desvalorizar os
primeiros. Na sua consciência, ele manipula a seu prazer os diversos “eus”,
escolhendo ora um ora outro, enquanto se esvazia dos restantes. E então, porque
não pensar-se a si próprio – como realmente se pensou – ser só consciência, na
raiz da sua existência, consciência vazia e sem qualquer eu mental, dos quais
portanto – e de todos - poderia abstrair?
3 – No nosso texto
76, cujo título é Consciência, Novelos
mentais e Mundo Verdadeiro, nós
versámos, entre o mais, o caso de Pessoa. Por citações da sua obra poética, já
aí apontadas, o poeta sabe o que de facto é mas não devia ser, ou seja, não
devia falar, falar, falar mesmo “sem querer falar”, e também sabe o que
existencialmente devia ser e não é: devia ser simples consciência do mundo:
“Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as coisas: só me
obriga a ser consciência”.
Quer dizer,
ele acha que devia ser só aquilo que existencialmente está antes de quaisquer
conteúdos constituintes de um “eu”, e portanto só consciência. E ainda acrescenta:
“O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo; / O que não há somos
nós, e a verdade está aí” E mais adiante: “Que é da minha realidade, que só
tenho a vida? / Que é de mim, que sou só que existo”? Na raiz portanto de si
mesmo, Pessoa entende que é só consciência, consciência vazia de antes de todos
os “eus” (que foi utilizando e não devia), ou melhor – já que não há
consciência sem que ela seja consciência de algo – consciência do (seu)
silêncio interior. Consciência do silêncio, ou também consciência directa das
coisas, como quer Caeiro, ou seja, não mediada pelos nossos conceitos sobre
elas, se bem que isto seja possível só a “espaços” contemplativos quase intemporais.
Parece que até
é Álvaro de Campos quem, referindo-se ao seu irmão poético Ricardo Reis, afirma
de passagem, mas passagem muito importante e também surpreendente: ele “é um
grande poeta (…) se é que há grandes poetas no mundo, fora do silêncio dos seus
corações”.
Assim voltamos
ao silêncio, o primordial silêncio … íntimo silêncio de cada ser humano, talvez
fonte dos mais belos e profundos poemas.
Sem comentários:
Enviar um comentário