Olá, amigas e amigos!
Conhecem todos muito bem as palavras erótico e erotismo, não conhecem? E também sabem todos qual é a quente substância que ambas comportam, não é? Estão além dois rapazolas já com o dedo espetado no ar e a rir-se, como quem sabe e já quer pôr-se em acção de responder! Mas antes que respondam, vamos contar uma história.
Inspirado no magistério de Sócrates de quem foi discípulo, Platão apresenta-nos em O Banquete duas histórias mitológicas, das quais a primeira conta o nascimento de Eros. É então assim esta história, entre cujas personagens o autor pôs também a figura do seu mestre Sócrates, precisamente a personagem a quem é confiada a narração do próprio mito.
Entre outros, portanto, Sócrates é convidado para um pequeno festim. E depois de todos terem comido e bebido muito bem, os convidados perguntam-se como prosseguir o serão: entregarem-se a uma orgia monumental e completa ou aplicarem-se numa discussão filosófica. Optam por este segundo prazer, também é de facto prazer, e assim mandam embora os músicos e as belas bailarinas. (Não é que estes gregos antigos, intervenientes na obra, sejam diferentes de nós, amando assim tanto o debate filosófico, não! Acontece assim, simplesmente, por ficção de Platão, para apresentar a sua doutrina!).
Decidem então falar sobre o amor, e um médico, seguido de poetas e de políticos, cada um a seu modo, elogiam Eros, como o mais belo dos deuses. Falando em último lugar, Sócrates lamenta-se por estar em desacordo com todas as anteriores opiniões. Começa então por dizer que nada sabe, e explica depois que tudo o que pode dizer sobre o desejo o recebeu de uma mulher sábia, a parteira Diotima, que lhe contou a bela história que segue.
Para comemorar o nascimento de Afrodite (a deusa da Beleza), todos os deuses foram convidados para um festim. Um deles, Poros, deus da habilidade e do expediente, embriagado com o néctar, saiu para o jardim e adormeceu. Então Pénia, a pobreza, muito magra e esfarrapada, que tinha vindo mendigar, decidiu aproveitar-se da situação: deitou-se ao lado desse belo e divino rapaz e, nove meses volvidos, nascia o pequeno Eros, o demónio do desejo. Ele possui as características herdadas dos pais: é pobre mas inventivo; é falta de ser, mas também acção. Intermediário entre os deuses e os homens, Eros é o semi-deus ou o demónio do desejo e do amor. Um ser pobre, sim, mas industrioso, mas com expediente.
Para Sócrates, procurar o sentido, ou seja, pensar o conceito de felicidade ou de beleza ou de sabedoria … isso é desejar e amar a felicidade, a beleza, a sabedoria…
Dada a congénita incompletude do ser humano, amar é, para Sócrates, uma necessidade; amar é necessariamente desejar o que não temos, para nos podermos completar. Amamos a felicidade porque não somos felizes; a sabedoria porque não somos sábios; a beleza porque não somos belos, ainda que sejamos bonitos …E é precisamente este desejo necessário de felicidade, ou amor à felicidade, que nos leva a pensar a felicidade. Pensar, ou tentar encontrar o sentido de felicidade é, aplicando a mim próprio o pensamento, amar a minha felicidade. Vejo-me incompleto e vejo e também sinto que o amor ou a comunhão me completam e, a partir daqui, é o amor que irá comandar o pensar.
Pensar é portanto a actividade ou caminho que me leva àquilo que eu amo, àquilo de que congenitamente estou privado, mas também àquilo que congenitamente me pode e deve completar. Eu amo a minha felicidade, pensando a felicidade; eu penso a felicidade, amando a minha felicidade. Pensar a felicidade e também amá-la em mim próprio, como um ser feliz, isso é o máximo que eu posso desejar.
É claro que desejar-amar a minha felicidade e pensar a felicidade em mim não serão nada o mesmo que eu próprio já ser feliz! Longe disso! Mas “o meu desejo-amor por ela” sabe muito bem agenciar e tornar seu cúmplice “o meu pensá-la”, fazendo os dois tudo o que é possível para lá chegarem. E muitas vezes chega-se mesmo. Quem dera que muito mais vezes lá se chegue, para que muito mais pessoas sejam realmente felizes.
A minha felicidade será então o fruto que poderei colher do meu desejo-amor dela e do meu pensá-la, com todas as diligências bem concretas que em cumplicidade os dois vão fazendo ao longo da vida, nas quais se inclui, como primeira substância, a contínua atenção à minha interioridade e também a minha ligação aos outros humanos, à Terra, ao Universo. Porque me parece que os dois acharão que a concreta felicidade está dentro de nós e na nossa relação com o contexto em que vivemos.
Dizemos agora, finalmente, que aqueles levantados dedos dos rapazolas já baixaram há muito, pois que o fio do sentido do texto levou uma não prevista direcção, pelo menos para eles. A direcção que eles pensavam não é de desprezar, não senhor, mas esta outra direcção é mais substancial e completa, até porque pode incluir a que pensavam e já tinham nos dedos par ser apresentada e depois cumprida!