1 – Olá, amigas e amigos! É por
volta dos três ou quatro anitos que as crianças chegam ao conhecimento do
sentido da palavra eu, e logo, antes
que a consigam utilizar, se aprestam a usar palavras mais fáceis de idêntico
sentido, como são as palavras mim e meu. Ora, isto leva-nos a fazer muitas
perguntas, e também a tentar responder-lhes.
Que sou eu? Não perguntamos aqui
pelo eu social ou jurídico ou até tributário (!), mas pelo eu mental. O que é,
então, o eu mental? Respondemos que, o mais provável, é ele ser um molho de
desejos e temores e pensamentos e doutrinas, tudo mergulhado e vivenciado no
tempo, e tudo ligado pela memória. Mas então, nós somos isso, isso tudo, ou
somos só e simplesmente a luz que de fora o olha? Estamos a ver-nos a ser isso,
ou, pelo contrário, somos só essa luz que vê? É que há muito quem diga –
nomeadamente em livros de auto-ajuda – quem diga que, profundamente, nós não
somos esse eu mental mergulhado em vivências temporais, sendo por isso preciso
desfazermo-nos dele, para enfim sermos só aquela luz que até chamam eterna.
2 - O que parece mais acertado é
que nós somos as duas coisas, isto é, o eu mental e a luz que de fora o olha, ou
seja, somos o observado e o observador. São as duas faces da mesma realidade
mental: a face vivida ou primária e a face reflexa, a qual até poderíamos
designar de espiritual em segundo grau. Durante a vida, não parece poder
existir só uma destas faces sem a outra, já que ambas dependem sobretudo do
nosso cérebro, portanto do nosso corpo que, como todos experienciamos, é
mortal.
3 - Não obstante, é muito saboroso
sentarmo-nos na margem do rio da vida, olhando as águas do nosso eu mental
passando, mais tumultuosas amiúde do que lisas, sem nos envolvermos sobretudo
nesses tumultos. Estar na margem é não só vermos a uma certa distância os
problemas para melhor depois os resolver, mas também – e bem mais que isso - é
também aí o lugar (sem lugar) de onde vemos que não vamos com as águas, mas simplesmente
estamos, simplesmente somos. Somos simplesmente presença.
Isto, porém, só pode
acontecer-nos porque saímos temporariamente da corrente. E assim, isto não é
desfazermo-nos do eu mental – coisa de todo impossível – mas sim, e sem
constrangimentos, desocuparmo-nos dele temporariamente e até transcendê-lo. De
facto, quando nos acontece esse estado de presença, que é o estado de quando
somos nada, ou vazio, subitamente nos ligamos a tudo e nos surpreendemos
repletos de uma indizível paz, de uma intensa alegria de estarmos vivos.