quinta-feira, 30 de outubro de 2014

241 - Prestes a ser mamã

  Prestes a ser mamã, generosa, ela exercita o corpo,
o distendendo à húmida luz. Ao invés, como pode
 a sociedade, seca e egoísta, alhear-se desse gesto?


domingo, 26 de outubro de 2014

240 - Tão jovem ainda

Tão jovem ainda, na flor da idade morreu
uma já exímia antropóloga de projecção mundial:
haverá um criador omnipotente, sumamente bom?


Em memória da querida Cláudia

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

239 - O Tríptico dos Figos ou o Fermento da Vida

Perdendo as asas, minúscula vespinha entra no figo,
fecunda a inflorescência e põe ovos
machos e fêmeas. É a grande mãe.

Por  microcanais, todos os juvenis circulam,
vindo as fêmeas a sair do figo, para outros,
e os machos e a mãe, a morrerem lá dentro

Mas eis que um fermento leva um frémito de vida
ao cemiteriozinho, e logo o figo  amadurece apetecível!
Perpassará por cemitérios outros frémito semelhante?


domingo, 19 de outubro de 2014

238 - Numa Cana de Bambu

Numa cana de bambu, bem aberta,
nada se detém retém, tudo flui:

é a total atenção, a plena liberdade

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

237 - Um Sentimento

Um sentimento não é um ressentimento:
enquanto um vem e flui, sem perturbar,
o outro vem e fica a entupir a alma


domingo, 12 de outubro de 2014

236 - Com a Chuva

Com a chuva as valetas correram, mas numa
uma criança brincava a deslaçar represas:

assim nós também, por dentro

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

235 - É Muito Bom

É muito bom que trabalhemos em rede:
canas de bambu, canas sem nós, canais
onde circula a branca, a alma energia do mundo


terça-feira, 7 de outubro de 2014

234 - As Cores das Flores e do Céu


Tudo começa com o vermelho das rosas, das dálias e tulipas;
passa depois ao laranja da estrelícia e do lírio,
ao amarelo do girassol, do narciso e do cardo,
ao verde dos gladíolos e da vegetação em fundo,
ainda ao azul da rosa azul e do azulão,
ao anil do jacinto, da flor de lis e glicínia
e por fim ao roxo da violeta e do lírio,
da petúnia, da orquídea e da magnólia

Também Íris, mensageira do Pai da Luz, de Zeus,
deusa da refrangência da luz em suas lágrimas,
deixa no alto arco do céu o seu rasto multicor:
vermelho, laranja, amarelo, verde,
azul, anil e enfim o roxo,
a pegada mais íntima e subtil

 Mas não são só das flores as cores, e do arco do céu:
nossas são também em sete centros de energia irradiante,
desde o vermelho da raiz até ao roxo, o mais alto e íntimo,
não faltando o branco, mãe de todas as cores, sem cor,
a cor da luz, límpida, pura, que alimenta e ilumina

Para a Paula, a Ana Cristina, a Isabel e a Elsa, esta colorida taça de palavras.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

233.IX - A Propósito de "O Zelota"

IX - Conclusão
1 - Para que possam existir as religiões monoteístas (e não só), é preciso elas criarem antes de mais uma visão sombria da vida humana, feita de culpas, sofrimento e morte. Elas têm de carregar quanto podem nas tintas negras desse afundamento natural, para que depois possa avultar a salvação sobrenatural que intentam prometer.
Assim, elas ensinam que, antes de mais, o que está no início da humanidade é um pecado - um pecado original que por isso se estende a toda a humanidade -, e que é esse pecado que leva a todo o sofrimento e à morte (Gen 2). Em contrapartida, ensinam depois que, para nos libertarmos de todos esses males, precisamos de ter fé no Deus da luz que nos perdoa todo o pecado e salva do sofrimento e da morte, ainda que por eles tenhamos de passar (1Cor 15, 20-22). É claro que, de ofensas sofrimentos e morte, todos nós temos em demasia e para todos nós eles são incontestáveis. Quanto à fé, porém, a fé divina pedida pelas religiões, nem todos os humanos a têm porque não acreditam.

2 - Todos nós, porém, podemos sempre encantar-nos com a vida, fazendo com que ela em abundância se possa cumprir em todos, pela justiça, sobretudo pelo estar ao serviço dos outros, que é o amor. Mas também essa fé pode ser importante para todos, não pela fé em si mesma - que para muitos não há fundadas razões para a ter -, mas por virtude de todo um mundo simbólico que foi crescendo à sua volta, ou mesmo construído para a encarnar e servir.

3 - Assim, há na religião excelentes normas morais para a vida, mesmo para descrentes; há modelos de educação e instrução, e bem assim rituais, que podem ainda ter muito boa validade. Mas sobretudo há a arte religiosa, seja a da música ou da escultura ou da pintura ou dos textos ou da arquitectura, muitas vezes excelentes meios para elevar o nosso espírito porventura até ao êxtase, para guiar enfim os nossos passos nesta vida ínvia. Se não fora esta arte, não podíamos por exemplo extasiar-nos com belas esculturas ou pinturas ou peças de música, nem contemplarmos os raios de sol entrando à tardinha pelos vitrais de altas catedrais, iluminando e colorindo o penumbroso silêncio das naves.
E há também, é claro, a ceia da amizade e do amor, alimentos necessários para o corpo e para o espírito, convivendo e fraternizando – e assim celebrando e partilhando a nossa comum humanidade -, como até aqui já vimos neste blog, sob o texto 95-Uma Ágape Laica.