quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

52 - Surfando no Oceano da Palavra Poética

Na sequência do texto 44, apresentamos hoje mais alguns apontamentos – mera opinião de simples curioso mas também de amante – sobre poética.
Um poema é uma sala de segredos onde, através do primeiro sentido dos materiais significantes, as palavras nos podem desvelar novos sentidos, sentidos poéticos. Pelos nomes que impuseram às coisas, os seres humanos fizeram aparecer ou criaram o seu universo. E agora, o poeta, dando sentidos novos a esses mesmos nomes, ele está criando um mundo novo e original. Criando para si, mas também criando para os humanos companheiros porque os nomes são os mesmos, e o mesmo é também o seu primeiro sentido.
Os sentidos novos ou poéticos, com os quais um texto se constitui texto poético, não são geralmente fáceis de descobrir pelos seus receptores. É preciso estes pararem nas palavras, olhá-las ou ouvi-las e senti-las dentro de si com atenção, palavras densas, para que os poéticos sentidos germinem e apareçam à nossa pessoal subjectividade ou consciência, É assim isto como que um parto ou um aparecer de um novo mundo, semelhante ao que aparece aos outros receptores e em primeira mão apareceu também ao poeta, como primeiro criador desse mundo novo. Semelhante mas nunca igual em cada caso, já que cada indivíduo tem a sua própria e irrepetível subjectividade. Nunca igual, mas sempre possível e semelhante, de modo a cada um poder entender o mundo novo dos outros, porque o texto poético continua ligado à terrena pedra dos significantes das palavras, as quais nunca perdem o seu primeiro sentido, o sentido vulgar ou denotativo, que, tal como os significantes, é de todos conhecido!

Se nos perguntarem para que serve a poesia, nós podemos simplesmente responder que ela não serve para nada! A poesia não é meio para um fim; ela é fim de si mesma; ela é o desvendar de um novo mundo, para cuja contemplação somos convidados; é prazer para fruirmos. O universo poético, que o poema nos oferece é para nada, a não ser para com ele nos deliciarmos. Tal como a vida, também a poesia é só para fruir: não são instrumento para nada, a não ser para serem fruídas. É para nada, realmente, mas depois o poema, por intermédio dos receptores assim por ele transformados, pode levar à transformação do mundo: passarmos realmente de um mundo fracturante e feio, que é aquele em que vivemos, para um mundo belo e bom, apontado pelo universo do poema. Transformação que não deve ver-se especialmente em sentido político, mas sim e sobretudo em sentido espiritual, enfim transformação do homem todo e de muitos homens, se não todos.

É então o poema uma sala de segredos, segredos escondidos “nas suas conchas puras”, como diz o bem-nascido poeta (44). E é destes ressoantes segredos e destas côncavas conchas que temos vindo a falar. Mas o poema é também uma promessa de luzes, que em promessa sobem da terra e, logo depois, em voluptuosa incandescência, elas se abrem e derramam em molho no escuro de altas noites festivas. Inopinadamente, no ar, elas abrem-se em mil cores, para em breve se extinguirem. E no entanto, embora breves, elas são eternas para nós, como nós eternos somos, como são também as rosas do jardim de Adónis. É assim ainda o poema um jardim de flores, tecido vegetal que o poeta estende sobre a terra, para nossa delícia. Que espécies? Que perfumes? Que cores? Que volumes? Saberemos ser abelhas para haurirmos o seu mel?

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

51.4 - Quarto Molho

!6 – Na Hungria, na planície croata-magiar, celeiro do antigo império austro-húngaro. Cidade de Gyor, junto ao rio. Budapeste, a mais bela cidade do Danúbio, cidade de Lukacs e do músico Bartók. Num mundo dividido entre americanos e russos, Mitteleuropa é a defesa de uma Europa unida e independente dos dois blocos, do particular face ao autoritário e totalizante.

17 – Na Sérvia, junto ao rio, está Nivi Sad (a Atrenas Sérvia) e Belgrado.

18 – Na Bulgária, o país mais ignoto da Europa oriental. Em Vidin. As queixas que fazem dos turcos. A ponte que cruza o Danúbio, na fronteira búlgaro-romena, entre Ruse e Giurgiu, chama-se “Ponte da Amizade”, e é a segunda maior ponte da Europa, a seguir à do Tejo.

19 – Na Roménia, Bucarest é a Paris dos Balcãs. Pátria de Ionesco e de Mircea Elíade, escritores. Romanizada pelo imperador Trajano, a Roménia é uma cunha latina cravada no mar eslavo. Constança, cidade-praia no mar Negro, onde Ovídio, escritor romano, esteve exilado. O delta, com 4.300 quilómetros quadrados.

20 – No final da viagem, o verso de Marin: “Faz com que a minha morte, Senhor, seja como o correr de um rio até ao alto mar”.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

51.3 - Terceiro Molho

11 – Em Ingolstadt, lembra-se a escritora Marieluise, amante de Brecht, “aquele que consumia as pessoas, fazendo delas objectos de consumo”. Em Regensburg, morreu o cientista Kepler.

12 – Já na Áustria, em Linz, a cidade que Hitler mais amava, onde passara anos tranquilos, e para onde queria voltar na velhice. Também aqui está a casa onde viveu Beethoven.

13 – No museu do castelo de Linz, pode ver-se uma imagem idílica de Mauthausen. Mas, nesta última cidade, funcionou um terrível campo de concentração nazi, onde foram mortas mais de 110.000 pessoas. Pontificavam, aqui, nesses hediondos rituais, os carrascos Hoss, Mengele e Eichman. Já condenado à morte, Hoss, impassível, sem ninguém lhe pedir ou exigir, descreve este horror num livro terrível!

14 – Em Viena, no Café Central, onde aparecia Trotsky. Também a casa de Wittgenstein. No cemitério central, está sepultado Schonberg; num outro, Mozart. Também há, na cidade, o antigo gabinete de Eichmann, que dirigia o programa racial do III Reich. Ainda há a casa de Freud e a casa onde morreu Beethoven. Junto ao rio, no edifício onde é hoje a sede da IBM, Strauss executou pela primeira vez a valsa do Danúbio Azul. Viena, lugar de náufragos, como o filósofo húngaro Lukács.

15 - Na Eslováquia, em Bratislava, cuja faculdade de filosofia leva o nome do famoso pedagogo Coménio, autor da Pampedia.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

51.2 - Segundo Molho

6 – No fim da primeira guerra mundial (1918), o povo austríaco, com a sua auto-ironia tradicionalista e o seu cepticismo nas vicissitudes da história, “opõe-se” ao alemão, ou seja, ao “prussiano” estatólatra, sequaz do pensamento dialéctico e virtuosamente fanático.

7 – Alguém viu nas curvas do Danúbio, que corre para Leste mas depois para Sul e para Norte, um desígnio da Providência, com o fim de se opor ao avanço dos turcos.

8 – Estamos agora na Floresta Negra, em Messkirch, na casa de Heidegger adolescente, onde “há um corredor estreito e sombrio, que não sugere uma infância feliz no interior daquela casa”. Heidegger, filósofo, reitor da universidade de Freiburfg, pensador pró-nazi.

9 – Em Ulm (no Danúbio Superior), cidade destruída na segunda guerra mundial (1939-45), onde dois irmãos foram executados por Hitler, e também onde o marechal Romel, que atentara contra o III Reich, se suicidara. Eistein é o filho mais ilustre de Ulm, cuja catedral tem a torre mais alta do mundo. Ainda em Ulm, em 1619, Descartes pensou ter resolvido um grande enigma: será que o mundo tal como o pensamos é o mundo como realmente é?

10 – Em Gunsburg nasceu Josef Mengele, o médico carcereiro de Auschwitz, talvez o mais atroz dos assassinos durante a II Guerra. Depois, aqui esteve escondido até 49, num convento, e aqui voltou clandestinamente, em 51, aquando da morte do pai!! Mengele atirava crianças para a fogueira, arrancava bebés dos braços das mães e esmagava-os no chão, extraía fetos do ventre materno, arrancava olhos que guardava na sua casa e fazia experiências com pares de gémeos, de preferência ciganos!! Com que sentimentos terá ele acompanhado o pai à sepultura?