1 - Olá, amigas e
amigos! Numa das suas cartas, Paulo de Tarso, fundador do cristianismo,
fala-nos de uma guerra violenta que se trava dentro de si. Diz-nos que a sua
vontade o arrasta a fazer o que não quer, a fazer o mal, em vez de o levar a
fazer o bem, que é o que quer. E não o leva a fazer o bem porque ela, a
vontade, é para isso impotente. Só a graça, a graça de Cristo, o poderá levar
(ver textos 24 e 40).
Para os gregos da
Antiguidade Clássica, porém, todo este assunto era muito mais luminoso e simples,
muito menos apaixonado e sombrio. Antes de mais, eles não conheciam a faculdade
da vontade (ver texto 165). E quanto à própria acção humana, havia duas
maneiras de agir. Pela primeira, que nem chega a ser propriamente humana, nós
agimos impelidos pelo instinto, assim estando completamente sujeitos ao
determinismo universal. A segunda, verdadeiramente humana e luminosa, é aquela
em que agimos segundo a luz da nossa razão, assim ficando livres do império
instintivo, mais livres e de algum modo senhores, e por isso um tanto menos
sujeitos ao referido determinismo (ver texto 131).
2 – Com esta segunda
maneira de agir, não se trata de violentar à obediência as nossas forças
instintivas, mas sim de a razão as sentir, as conhecer, as ouvir atentamente,
as controlar, com elas até criando cumplicidades, de modo a que as duas partes
se possam entender. Se Paulo tivesse procurado este íntimo entendimento entre
as quentes paixões e a fria mas luminosa razão – sempre que com coragem o
procurarmos, ele naturalmente há-de chegar –, já não teria necessidade de nos
falar da guerra dramática que dentro de si sentia.
É claro que, para
alcançarmos e mantermos o tal entendimento, é preciso muito trabalho e até
muito sofrimento. A virtude, ela própria, até nos pode calejar para esse
necessário sofrimento, a fim de que ele se nos torne mais fácil, e depois
contribua para um prazer maior (ver texto 147).
3 - Resta tão só
lembrar a suculenta alegria que todo este labor nos vai dando e deixando, ao
longo da vida, e bem assim a fina flor da liberdade de sermos nós os senhores
de nós mesmos, sem nada de bom perdermos daquilo que nos constitui, mas
libertos do instintivo jugo. Mas, continuarmos ainda entalados nas malhas de
grande parte do restante determinismo universal, isso faz parte de nós por
sermos seres de vicissitudes e de tempo, e por isso pouco ou nada há a fazer.
Mas isto não é dramático! Não, porque nos leva a permanecer ligados à terra:
àquilo que nos é natural, e não ao que imaginamos por força das nossas
desenraizadas ideias. Aliás, se a esse determinismo não resistirmos mas o
aceitarmos, assim aceitando irmos na corrente dessas vicissitudes
medidas pelo tempo e a que vamos sendo sujeitos, mais livres nos poderemos
tornar. É muito bom então tomarmos tal atitude, pois que ela nos vai livrar de muito sofrimento. Mais liberdade e também vida melhor.