quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Texto 3

Olá!
Também a palavra humanidade é só uma abstracção! (Depois que o outro Sócrates descobriu os conceitos, que são abstracções, levantou-se entre a Humanidade uma guerra simbólica que ainda não está completamente resolvida!) De facto, a palavra humanidade é pura abstracção, sem consistência real. Lá está o pobre mas feliz Abelardo a ter toda a razão.
Real, mesmo real, (tal como eu, que tenho consciência de que também sou ser humano), real é este ser humano (com humanidade) que está à minha frente, uma menina de oitenta e cinco anos que me chama seu irmão e pai e marido, ou aquele ser humano além, uma outra menina de noventa que também já se passou dos carretos.
Quem é dotado de humanidade cheira a húmus e é mesmo húmus, é esterco e terra e finalmente morte! Mas também é vida, isto é, é instinto e coração e desejos e emoções e também luz da razão, com todos os pensamentos e mundos simbólicos que só esta sabe inventar! Nascemos de entre fezes e urinas, e já com o vírus da mortalidade, mas também podemos saborear a vida, crescer por dentro e voar muito alto com a luz da nossa mente. Voar, sim, mas sempre agarrados à terra, pois se não, deixaremos de ser humanos!
Termos humanidade, ou melhor, sermos humanos, é, antes de mais, termos consciência de que somos mortais. Não somos seres para a morte, mas somos seres mortais. Nós nascemos para viver, mas sabemos que vamos morrer! Mas depois, e entre o mais, sermos humanos é também sabermos que somos animais simbólicos e agirmos em conformidade, isto é, jogando com os conceitos, argumentando, criando e utilizando mundos simbólicos a começar pelo da linguagem, crescendo por dentro com eles, sondando enfim sem entraves e completamente livres a realidade que somos e nos circunda. Sermos humanos é portanto, e entre o mais, sabermos que somos animais mortais mas também simbólicos.
Mas a morte é morte mesmo! Assim sendo, parece que não a podemos iludir com dizermos que “logo que morrermos, venceremos a morte e continuaremos a viver”! Por isto é que é urgente vivermos todos bem, isto é, com dignidade, o parêntesis entre dois nadas que parece ser a nossa vida. E vivermos com uma boa justiça e economia e política à escala regional e mundial, justiça e economia e política de humanidade global. Parece que ninguém mais salvará a humanidade, senão ela própria a si mesma.

Seguem mais cinco pensamentos “Sobre a Vida e sobre a Morte”.

11. O homem livre pode “saber-se e experimentar-se eterno”… com a eternidade de quem vive o agora para sempre irrepetível… e eterno.”

12. A “humanidade”, que é a nossa dimensão espiritual, é o maior Bem, o maior Valor que partilhamos. Ela é o sagrado. Ofendê-la em nós ou em qualquer outro ser humano é sacrilégio.

13. A faculdade (ou conjunto de faculdades) da razão é o que todos os humanos têm em comum, e nisso se baseia a nossa humanidade partilhada. Detestar a razão é detestar a humanidade.

14. A mente, o simbólico, o espiritual, a alma… não são o mesmo que o cérebro, tal como a luz não é o mesmo que a lâmpada.

15. Os traços mais específicos do ser humano são ele ser um animal simbólico e saber-se mortal. Símbolos são sinais convencionais que representam ideias, emoções, desejos…
O sistema-base desses símbolos é a linguagem.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Texto 2

“Olá, meninas e meninos!”

A esta data, há aqui um trio de meninas ainda tenrinhas, sobre o qual assenta o funcionamento da Quinta Verde. Se ele lhe faltar de repente, a Quinta Verde, que é verde, logo empalidece! Não é que não possam aqui constituir-se outros trios ou quartetos ou até mesmo parelhas entre as outras funcionárias, que possam exercer com mestria a função de pedras angulares da instituição. Às vezes, até nos comovem com a simpatia e a humanidade com que nos tratam, a nós que somos residentes no lar. É certo que ainda há uma ou outra que nos berra aos ouvidos com a sua voz de trovão! No entanto, estou certo de que em breve todas elas virão ao rego da decência, facilmente sentindo e concluindo elas todas, que a matriz de toda a vida que nos possui está afinal no vazio e no silêncio, e que a tal matriz devemos assiduamente voltar para sentirmos e gozarmos o prazer de falar e de ouvir.

Mas voltemos ao tal trio inicial de meninas, e olhemos para elas! Uma é exuberantemente expansiva, com mestria sabendo acolher e acompanhar os velhinhos. Finamente sensível é outra, sábia já em encontrar a sua própria humanidade na humanidade dos outros. A terceira e última do trio, meiguinha menina mas também pequenina e recente, esteve hoje toda a manhã ao computador, desencravando as escalas de serviço do pessoal. De tarde, numa roda viva, ela tem andado por toda a casa a prestar serviços onde necessários, e agora, à portaria do lar, já com o sol tombando no horizonte, o companheiro, alto e musculado, está à sua espera. E então, como se ela fora uma breve encomendinha, ele a levará debaixo do seu braço não se sabe bem para onde nem temos nada que saber! Assim, voltemos antes a atenção, neste abençoado crepúsculo, para mais cinco pensamentos "Sobre a Vida e Sobre a Morte":

6."A experiência da morte não só deixa qualquer um pensativo, como o torna pensador. Por um lado, a conciência da morte faz-nos amadurecer pessoalmente (.....). Por outro lado, a certeza pessoal da morte humaniza-nos, isto é, transforma-nos em verdadeiros humanos, ou seja, em mortais".

7. " O mal não é morrer, isso é algo natural e conveniente por natureza. O que é realmente mau é viver de qualquer modo"!

8. " Nos séculos que precederam o nosso nascimento, vemos a imagem dos que se seguirão à nossa morte. Haverá algo de terrível nisso"?

9."Se a morte é "não ser", já a vencemos uma vez no dia em que nascemos. Nós somos mortais, mas da morte eterna já escapámos".

10."Talvez que a "morte" seja até o nome de um fantasma, só produto da nossa imaginação: é que, quando nós estamos, a morte não está;e quando ela chega, já nós não estamos"!

Texto 1

“Olá, cambada!” – como dizia o Herman e agora também dizemos. Ou “Olá, meninas e meninos” – como diz a ministra da Educação, na versão do Portugalex na Antena 1.

Abre-se aqui um despretensioso “blog”, sediado no lar "Quinta Verde". Um lar de idoso, bem entendido, um lar para meninas e meninos das terceira e até quarta idades! Mas não pensem que temos as nossas cabeças paradas, sem irem congeminando macaquices! Ou que já temos no bolso a moeda para pagar a Caronte, que nos irá passar para o outro lado da vida, e também vocês, está claro, embora talvez mais tarde que a nós! É que nós ainda lemos muita coisa, mesmo revistas cor-de-rosa, vejam bem!; ainda gostamos de pensar e argumentar; ainda sentimos prazer em olhar para os mundos simbólicos que a Humanidade foi inventando e continua a inventar, para sua graça e desgraça.

Às vezes, fartamo-nos de rir e também ter pena daquilo que, por exemplo, aconteceu ao filósofo Abelardo, não propriamente por ter dado explicações a uma donzelinha mui graciosa, mas por causa de lhe ter feito uma outra coisita, coisa que enfureceu o maluco do pai dela e o levou a vias da facto contra o explicador! Mas tinha razão o maroto do filósofo, quando dizia alto e bom som, mesmo à frente de um convento onde mandava um Bernardo que depois foi santo, dizia que os Universais, como por exemplo a "tristeza", a "avareza" ou a "gula" são meras abstracções, sem consistência real! Porque o que realmente existe é “este menino triste”, “esse velho avarento” e “aquela garotinha gulosa”. Gula, avareza e tristeza são só abstracções mentais, e portanto só existem enquanto tal e na medida em que estão presas à pedra da realidade terrena.

Mas deixemos estas lérias e vamos ao que interessa. Aquilo que nós agora vos propomos, meninas e meninos, são uns tantos pensamentos "Sobre a Vida e Sobre a Morte", os quais tivemos expostos no nosso salão de convívio, e sobre os quais depois conversámos. São pequenos textos, quase todos inspirados em leituras que um de nós foi fazendo, sobretudo de obras desse sábio que dá pelo nome de Fernando Savater.

Ora vamos então a cinco desses pequenos textos, deixando os restantes para outras ocasiões:

  1. Porque é que o nascimento de um bebé não é assunto preocupante e enigmático, como é a morte de alguém? “Ninguém parece pensar na morte – sobretudo a sua – com perfeita naturalidade.”
  2. “Sabemos que vamos morrer mas não acreditamos nisso. No inconsciente, todos nós estamos convictos da nossa imortalidade”. Ou seja, em nós, a força do inconsciente – do instinto e das emoções – é pelo menos tão poderosa como a razão do consciente.
  3. Se não sonhássemos enquanto dormimos, não teríamos talvez imaginado uma vida para lá do profundo sono da morte!
  4. “Como poderia a morte ser um mal, se ela é necessária e inevitável? Só é um verdadeiro mal o capricho tortuoso da vontade humana, que se opõe à harmonia ordenada do Universo.”
  5. "O homem não crê na imortalidade porque crê em Deus, mas crê em Deus porque crê na imortalidade.”

E pronto, meninas e meninos, por hoje é tudo.